
Muitas vezes, quando concordo ou discordo de algo, ponho-me a refletir a respeito de até
onde eu, com minhas limitações humanas, estou conseguindo ver, compreender, perceber e
sentir este algo.
Desde criança tive isso comigo: se duas pessoas brigavam e ambas vinham conversar comigo e
falavam a sua parte da história, geralmente eu via a razão com cada uma delas. Porém,
precisou tempo, estudo e amadurecimento pra eu compreender que a razão de cada uma é
somente parte da razão. Assim como eu, não sendo nenhuma nem outra daquelas pessoas, via
as coisas a partir do meu ponto de vista, da minha vivência e das minhas crenças.
Parece meio óbvio isto pra quem se dedica ao assunto, mas só eu sei o tempo e esforço que
me custou pra chegar a esta compreensão ou, melhor dizendo, a este estado de espírito.
Assim, venho ao longo da vida, vivenciado e aperfeiçoando esta arte de posicionar-me sem ter
atitudes tendenciosas. Vejam bem: vivenciando, pois de teorias sem prática o mundo está
cheio, e aperfeiçoando, ou seja, sentindo em cada célula de meu ser as consequências de
meus atos e escolhas.
Quando, em 2010, “formei-me” consteladora, iniciou-se uma estrada no sentido de deixar
minhas certezas de lado e abrir-me ao que os meus pacientes me trazem, pois, na maioria das
vezes, o que eles me trazem são suas dores e tristezas mais profundas. Exercitar não julgar os
atos e motivos e, muito menos seus pais e familiares vem sendo um exercício de amor e
entrega que muito bem tem me trazido.
Quando são questões que não nos afetam tão diretamente, é relativamente mais fácil,
contudo quando se tratam de questões mais fortes, como abuso, violência infantil e
doméstica, é necessário mergulhar mais profundamente nesta parte de nós que se encontra
no nosso centro e colocar-se totalmente a serviço. Se pararmos pra pensar, não só com a
mente, mas com todo o nosso ser, poderemos perceber que cada um tem a sua justa razão,
um motivo, por mais bizarro que possa parecer aos olhos mais desavisados, que o levou a
cometer aquele ato. O que não significa que seja a sua razão que tenha que prevalecer. Mas
admitir que ela existe, nos faz mais humanos, mais capazes de compreender o próximo e,
consequentemente, a nós mesmos, ampliando assim a nossa compreensão das próprias
dinâmicas da vida.
Cabe aqui uma reflexão: quando nos indignamos com algo ou alguém, sem dar-nos a
oportunidade de nos acalmar e buscar uma visão mais ampla da situação, a quem estamos
beneficiando? Que sentimentos são desencadeados, em nós e nos outros, com uma atitude
assim?
Vejam bem, em nenhum momento eu afirmo que não devamos nos posicionar e nem sermos
omissos frente a situações que exijam uma atitude. Somente convido a que possamos nos dar
o direito de termos um pouco mais de tempo para deixar a terra que se movimenta no fundo
da água num momento de revolta retornar ao seu lugar pra que possamos ver através da visão
mais cristalina da água.
Alguns devem estar pensando: falar é fácil. E eu respondo: nem tanto, pois cada palavra dita
ou escrita traz consigo uma responsabilidade de fazê-la andar acompanhada de ação. Assim,
sigo caminhando, entre momentos de incerteza e outros de claridade, buscando encontrar
esta totalidade do ser.