
Dia destes, estava atendendo uma moça muito inteligente e sensível, hoje já uma professora e mãe, que me disse: “Eu tenho Déficit de Atenção e Hiperatividade”.
Fiquei pensando quantas vezes eu já ouvi esta afirmação saída da boca de diferentes pessoas, pacientes, alunos, pais, amigos, em diferentes contextos e dita com expressões e sentimentos os mais diversos, desde tristeza, raiva, comodismo até um extremo sentimento de impotência.
Muitas vezes, estas duas manifestações acontecem juntas. Mas hoje, quero me ater a esta primeira: Déficit de Atenção. Só quem tem sabe a dor que lhe causa, sentir que o trem passou e esqueceu de entrar porque estava olhando para o outro lado, pensando em outra coisa. Mas quem convive muitas vezes também sente uma grande dor por pegar o trem e ver que o outro ficou.
Trago esta metáfora com a intenção de refletirmos um pouco a respeito disto. Assim, proponho algumas perguntas:
– O trem perdido era o trem certo pra ela?
– O trem certo pra mim é o mesmo certo pro outro?
Claro, tudo isto é muito bom de se pensar, partindo do pressuposto de que cada um tem seu tempo e a sua maneira de aprender. Mas quando a maioria pega o trem e alguns poucos ficam de fora, não é assim tão romântico e tranquilo pensar que se está entre aqueles que não embarcaram.
Por isso, olho com muito amor e respeito pra todos: os que não embarcaram, os que subiram e, inclusive, para o trem.
Esta moça que atendi me relatou que ela foi desenvolvendo mecanismos pra driblar a dificuldade de atenção e hoje, quando, em sala de aula, ela precisa lidar com situações semelhantes às que ela passou, é capaz de ter um olhar compreensivo e ao mesmo tempo compassivo para o outro e ver nele, não a impossibilidade, mas as oportunidades que se abrem pra alguém que busca, verdadeiramente, superar as dificuldades que se apresentam ao longo do caminho, criando com isso, uma grande riqueza de vida.
Sabe-se que uma boa alimentação, horas suficientes de sono, praticar esportes, relaxar e se tranquilizar, tudo isso influencia e muito o bom desempenho da nossa atenção. Mas aqui quero falar o que se descortinou subitamente, na minha compreensão, durante a conversa com a moça. Ela se queixava de que sua mãe nunca tinha lhe demonstrado afeto e que nunca tinha lhe incentivado a fazer as coisas importantes pra ela. Então fui lhe perguntando sobre algumas situações em que ela já me havia contado sobre as coisas que a sua mãe lhe havia ensinado e como isto tinha sido importante pra ela. Assim, perguntei-lhe: “Acha que isto não é amor? Não é uma maneira de demonstrar o seu amor por você? Tirar você da cama e querer que batalhe pela vida e assuma suas responsabilidades, não é uma demonstração de amor?”
Ela, então, ficou pensativa e, aos poucos, foi concordando comigo. Mas, pra não dar o braço a torcer, argumentou: “Mas pra eu poder perceber este seu amor, eu tive que fazer um grande esforço pra encontrá-lo nas entrelinhas.”
Foi aí que me veio a compreensão: Quando o amor flui livremente, é fácil de ter-se foco, pode-se olhar diretamente para o objeto em questão. Está claro e iluminado. Mas quando este mesmo amor se apresenta nas entrelinhas, precisa-se fazer caminhos alternativos pra se chegar até ele. Assim, estes caminhos alternativos trazem como consequência, a dispersão. Contudo, por outro lado, nos dão a possibilidade de conhecer vários outros caminhos que, muitas vezes, a pessoa focada não percebe, por poder caminhar mais diretamente.
A experiência adquirida e o grau de compreensão e empatia que uma pessoa que teve que fazer estes caminhos desenvolve é de extrema importância, pois traz mais humanidade para os relacionamentos e também mais esperança de que, na prática precisamos uns dos outros pra crescer e nos desenvolver e, aquilo que parecia ruim, pode converter-se num grande bem.
Os olhos da moça brilharam ao escutar isto. É como se, num flash, várias conexões estivessem acontecendo simultaneamente no seu cérebro.
E assim seguimos adiante, pequenas grandes descobertas… pequenas gotas… grande oceano.
Depois de escrever este texto, quis lê-lo pra minha filha de 14 anos. Ao ler a parte do trem, ela concordou profundamente com a cabeça e, ao final, me perguntou: “Mãe, você disse pra eles que tem uma filha com Déficit de atenção?” Respondi-lhe que não e então percebi que não tinha o menor problema pra ela se eu o fizesse, pois, minha busca por respostas muito tem se pautado na tentativa de trazer soluções para as questões que meus filhos me trazem.Concluindo, ela me disse: “Sabe aquela parte que você falou do amor que flui? Pois outro dia, uma amiga estava me falando isso, que quando a gente encontra a pessoa certa pra amar, a gente sabe, porque daí o amor flui.” Não disse? Ela encontrou caminhos alternativos pra falar do amor e fazer a ligação com o que eu dizia.
É o amor que flui!.