
Muito tem se falado sobre bipolaridade, este transtorno que acarreta sentimentos contraditórios, fazendo com que a pessoa, ora esteja muito agitada e inquieta e ora sinta-se extremamente triste e solitária.
Mas o que eu quero falar aqui é a respeito da pessoa que carrega o sintoma e do grande amor que ela traz consigo.
Depois de tantos anos atendendo, tratando e ensinando pessoas, desde crianças até anciãos, percebi que, a grande maioria, por mais dura, rude ou cheia de si que se mostre, tem um ponto em que se desarma: justamente o ponto em que sentiu que seu amor não foi correspondido, não chegou ao seu termo, ao coração da outra pessoa.
Talvez alguns de vocês possam estar pensando agora: “Ah, é muito triste ter um amor e não ser correspondido, amar e não ser amado!” Muito provavelmente o seu pensamento tenha ido ao encontro de algum momento da sua vida sentimental em que você se apaixonou e não foi correspondido na sua paixão. Sem dúvida que esta é uma sensação extremamente desagradável, porque é como se nosso energia, nossos melhores sentimentos se perdessem no vácuo, não encontrando o seu destino.
Mas eu quero ir um tanto mais atrás no tempo,voltando lá longe, na primeiríssima infância, quando a coisa mais importante pra você era sentir-se seguro entre os seus pais.
Recentemente, tive uma lembrança que me encheu de saudade. Eu estava quase dormindo e, de repente, tive a mesma sensação que costumava ter quando, ainda bem pequena, ficava na cama com a minha mãe. Muitas vezes, o meu pai saía à noite e voltava de madrugada. Então, ele ficava com pena de me tirar da cama quentinha e me deixava dormindo entre eles. Pude reviver a sensação de extrema confiança e bem estar que sentia estando no melhor lugar do mundo pra mim: entre o meu pai e a minha mãe.
Hoje, já na maturidade, eu posso até me questionar se o fato do meu pai chegar tarde todas as noites causava alguma tristeza na minha mãe. Mas, naquela época, tudo o que eu sabia, era que eles me proporcionavam uma das melhores sensações da vida: estar entre os meus pais tendo a certeza do amor de ambos. Também tive o merecimento de nunca vê-los brigando, discutindo ou falando mal um do outro. Isto me trouxe uma confiança na vida e no lado bom das pessoas. Acho que é por isso que eu sempre gostei tanto de auxiliá-las a se conectar e fortalecer este lado bom. É como se fosse uma dívida minha com a vida.
Mas e aquela criança que não passou por esta experiência, que desejou muito sentir-se ligada à mãe ou ao pai, os quais, por dores e amores, não conseguiram estar assim tão disponíveis para seus filhos? Como fica o coração daquela criança que dirige o seu amor aos pais com todas as suas forças e sente que, por mais que o faça, esta força é insuficiente para alcança-los?
Na maioria das vezes, o sentimento de desespero é tão grande, que ela seria capaz de dar a própria vida só pra ter a suave sensação de bem-estar causada pela constatação de que seus pais estão bem e inteiramente disponíveis pra desfrutar o amor que ela lhes dirige.
Contudo, a vida é como é e, não raras são as vezes em que isto não acontece. Os pais continuam infelizes com suas próprias dores que nada ou quase nada tem a ver com a criança. Mas ela, na sua inocência e sensação de que tudo pode, acha que, se os pais não estão bem, a culpa é dela, que não está sendo boa o suficiente para seus pais. No seu coração e em cada célula do seu ser, eles estão presentes. Todavia, na prática, muitas vezes eles brigam, separam-se e, em alguns casos, rompem relações. Ou, em outros casos, um deles falece e a mãe ou o pai acaba casando e refazendo a vida.
Então, aquela criança precisa crescer e seguir a sua vida. Como? Criando mecanismos de sobrevivência que lhe permitam seguir adiante mesmo às custas de abrir mão do que lhe é mais caro: ter o pai e a mãe unidos no seu coração. Assim, estes mesmos mecanismos de sobrevivência lhe impõe que escolha amar a um ou a outro. E qual a consequência disto? A quase total incapacidade de centrar-se, pois ora o seu coração ama o pai e exclui mãe, ora ama a mãe e exclui o pai, não encontrando paz e serenidade. Há momentos em que se julga poderosa e dona da verdade e em outros, arrasada e sem forças.
Assim, um dia, ela, não aguentando mais, procura ou é levada a um médico que lhe apresenta o diagnóstico: Transtorno Bipolar. Se pudesse ter um aparelho que captasse os sentimentos mais íntimos de uma pessoa, este traduziria o diagnóstico por: Necessidade quase insuportável de sentir o pai e a mãe unidos no seu coração.
Então, é chegado o momento de olhar verdadeiramente pra origem do que sente, acolher aquela criança que ficou num canto da memória esperando que o amor chegasse pra poder tornar-se adulta, caminhar passo a passo no sentido da integração e da cura pra que, finalmente, possa segurar as rédeas de sua própria vida responsabilizando-se pelas suas escolhas.