51 99966-3152
Renunciando Ao Lugar De Herói

Durante boa parte da minha trajetória neste chão, quis fazer algo grandioso que fizesse uma diferença no mundo. Quando eu era criança, sonhava em ser atriz. Mas não de televisão, mas de teatro ou cinema, pois o que eu queria era chegar nos corações e mentes de quem me assistisse e deixar ali uma semente capaz de mudar sua maneira de ver e sentir a vida.

Claro que os anos foram passando e a experiência foi me mostrando que isso a que eu me propunha não era assim tão fácil de se realizar. Posso até dizer que teve muito mais fracassos do que vitórias.

Aos poucos, o caminho foi se descortinando de uma maneira um pouco diferente: não precisava ser algo grandioso, já me contentava em ser algo que pudesse fazer a diferença na vida de algumas pessoas.

Um certo dia, digamos assim, em que a luz entrou de uma maneira um tantinho mais direta na minha consciência, vi que eu não precisava ser assim tão super -poderosa, diferente e cheia de virtudes como me queria e pretendia. Foi um choque mas, ao mesmo tempo, um alívio. Agora eu podia ser eu mesma.

Fácil, não? Só faltava descobrir quem eu era, uma vez que durante a infância e parte da juventude pensei ser alguém imbuída de uma grande missão.

Por estes caminhos que a vida traça, os quais vêm sendo costurados ponto a ponto pelos nosso atos, palavras e pensamentos sem que muitas vezes o percebamos, fui migrando da área artística para a da educação. Obviamente, trazendo comigo toda a bagagem adquirida.

No início, eu queria fazer uma boa performance, estava sedenta por dar o meu melhor para os meus alunos e me mostrar incrível. Usava do meu conhecimento e experiência na área do teatro e da vida e os resultados eram bons, os alunos gostavam, aprendiam razoavelmente. Porém, o sentimento de estar fazendo algo grandioso que iria mudar a vida dos meus alunos me acompanhava e, volta e meia, se manifestava. E a consequência? Frustração.

Unido a isto tudo veio a maternidade. Primeiro, cinco anos de espera, sem conseguir engravidar. Depois, nove meses de espera na fila de adoção pra que finalmente viesse o meu presente de aniversário, meu primeiro filho, que nasceu no mesmo dia que eu, 33 anos depois de mim. Quase nove anos depois, o segundo presente que veio de forma um tanto inesperada e nem por isto menos amada e desejada, um casal de gêmeos com uma semana de vida.

Com os gêmeos ainda bebês e apresentando problemas de saúde e o mais velho também requerendo alguma atenção especial nesta área, tivemos a notícia de que a empresa em que meu marido trabalhava há doze anos fecharia. Então ele conseguiu um trabalho de consultor onde passava a semana toda fora e eu precisava dar conta de cuidar dos três, tratar seus problemas de saúde, trabalhar 40horas semanais dando aula e tudo o mais que acarreta ser professora, e ainda encontrar tempo para prestar serviço voluntário numa instituição beneficente da qual eu faço parte.

Bonito né? Especial pra quem tinha por sonho de infância fazer algo grandioso.

Eu me considero uma pessoa razoavelmente de bem com a vida, que gosta de agradecer pelo que tem e me relacionar bem com as pessoas. Porém, a barra foi pesando pro meu lado, tinha dias em que eu “chutava o pau da barraca”, como se diz. A sensação de estar levando o mundo nas costas e de solidão muitas vezes me acompanhou. E olha que eu não posso me queixar do meu marido, grande companheiro de caminhada. Mas ele quase não podia estar presente e, quando estava, ainda tinhas outros compromissos a cumprir no trabalho beneficente realizado por nós.

Então, eu oscilava entre os sentimentos de bem- estar, de vítima da situação e de culpa, por ter tanto enquanto existem tantas pessoas em situações infinitamente piores do que a minha.

Assim a vida ia seguindo: os filhos crescendo e eu procurando me administrar dentro da vida.

Finalmente, depois de participar de um workshop de constelações familiares, algo começou a mudar dentro de mim. Foi muito impactante o meu primeiro contato com esta terapia. Precisou de um tempo pra eu me realinhar a esta nova forma de compreensão. Depois, com a formação, a cada grupo realizado, a cada livro lido, era como se o espaço dentro de mim crescesse para uma nova dimensão.

Então, algumas frases curadoras como “Eu vejo você”, “Eu sinto muito, não pude fazer diferente”, “É muito pra mim”, “Eu respeito o seu destino” e outras tantas começaram a ser incorporadas, devagarinho, no meu jeito de sentir e me conduzir na vida.

Já não precisava ter a performance perfeita com os meus alunos. Muitas vezes olhá-los nos olhos e fazê-los perceber que eu estava vendo a sua dor, já fazia uma grande diferença. Saber que o que eu posso fazer por eles é bem pouco mesmo, mas este pouco, eu faço de coração, respeitando o que eles são, de onde vem e a quem estão sendo leais. Foi muito bom ver que mudar os meus alunos não era tarefa minha, mas mudar a mim mesma sim.

Assim, nesta construção e ao longo da formação em constelações, fui descobrindo o valor e a força da minha mãe, que eu sempre julgara frágil, podendo sentir o coração do meu pai e vivenciar a força e o valor de meus avós.

Foi então que, um dia, num exercício sistêmico, reconheci em mim o mesmo sentimento de minhas avós, mulheres fortes e guerreiras que lutaram para criar os filhos e cujos companheiros elas perderam cedo. Assim, pude pedir a elas a bênção pra fazer um pouco diferente delas e, ao mesmo tempo, sentir a sua força de superação.

E como isto se refletiu na minha casa com meus filhos? Estes filhos que chegaram pra mim como um presente do universo? Cada um deles com a sua história familiar, diferente da minha da do meu marido e agora unidos nesta nova família.

Foi e vem sendo um exercício muito gratificante firmar-me no meu lugar: o de mãe adotiva. Sempre reconheci o valor das mães biológicas dos meus filhos , mas pude perceber que, em alguns momentos, eu me considerava superior a elas, pois era eu que estava ali, trabalhando e me esforçando pela educação deles, virando noites, enfim, fazendo o que a maioria das mães fazem. Não digo que não tenha sido sofrida a percepção deste sentimento de suposta superioridade. Então passei por um período de sentir-me no extremo oposto: inferior a elas e também culpada por estar com seus filhos.

Hoje, transcorridos tantos anos, trabalho e convívio familiar, onde conversamos estes assuntos abertamente, já posso dizer que estou encontrando o meu lugar.

Talvez alguém possa dizer: “Puxa, depois de tudo isto ainda não encontrou?”

Então eu respondo: “É porque é uma construção. Cada nova percepção, cada entendimento melhor é um passo adiante. E, quando caminhamos, um passo que seja, já precisamos nos readequar ao nosso novo lugar.”

Este é o meu entendimento até aqui. Neste ponto da caminhada.

Como me sinto hoje? Mais fortalecida e bem acompanhada, pois tenho comigo meus pais e antepassados, os pais biológicos e antepassados dos meus filhos, do meu marido e dos meus alunos e amigos.

A caminhada me parece mais leve. Com os filhos já mais crescidos, não digo que não existam dificuldades, mas a diferença é que já aceito isto com mais leveza e compreensão.